Publicado Valor Econômico | 07/07/2025
Fundos de direitos creditórios ganham espaço e somam R$ 630 bi

Mercado de capitais FIDCS têm sido beneficiados pela maior procura por crédito estruturado; em dois anos, segmento pode bater R$ 1 tri


Fernanda Guimarães
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Com a maior procura pelos investidores por crédito estruturado, em meio à corrida rumo à renda fixa, os fundos de direitos creditórios, os FIDCs, ganharam espaço, somando hoje um patrimônio líquido de R$ 630 bilhões, conforme dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). A projeção de "players" de mercado é que, dado o atual pano de fundo, esse mercado poderá romper a marca de R$1 trilhão em até dois anos.

A expansão tem ocorrido em ritmo acelerado. Em 12 meses, ainda conforme dados da entidade, o patrimônio líquido dos FIDCS cresceu mais de R$ 130 bilhões ̶̶̶ estava em RS 499 bilhões no fim de maio de 2024. No mesmo período, o número de fundos chegou a 3.307 ̶̶̶ eram 2.613 há um ano e cerca de 500 há dez anos.

Mesmo se a proposta de tributação na aquisição de cotas primárias de FIDCs, com a incidência de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 0,38%, se materializar, não são esperados grandes abalos à indústria, apesar do aumento do custo que vai chegar às empresas. A leitura é que, frente a outras opções, o FIDC seguirá competitivo.

"Seria um novo aumento de tributo para uma situação que nunca foi tributada, trazendo um custo adicional para esse tipo de fundo, que é largamente utilizado como uma fonte alternativa ao financiamento bancário", diz o sócio de tributário do escritório Mattos Filho, Flávio Mifano.

O presidente da registradora Cerc, Fernando Fontes, aponta que o mercado de securitização vem crescendo a taxas de dois dígitos, algo que deverá continuar. "O cenário macro estimula a alocação de capital em crédito privado e o produto vem se mostrando resiliente", afirma Segundo o executivo, há ainda gatilhos para um crescimento extra dessa indústria, como a implementação da duplicata escritural, algo que tende a aumentar a emissão desse papel e trazer mais volume a ser adquirido pelos fundos. Sua visão é a de que o movimento deve se assemelhar ao visto nos recebíveis de cartão, que, após regulamentação do Banco Central, despontaram em franco crescimento na carteira dos FIDCs. Até 2027, sua estimativa é que o estoque de FIDCs atinja R$ 1 trilhão.

Os fundos creditórios aglutinam créditos que empresas têm a receber, como aluguéis, duplicatas ou valores que foram parcelados no cartão de crédito, sendo este último o lastro de alguns dos maiores FIDCs do mercado, os quais pertencem às adquirentes de cartões. Podem ainda antecipar o pagamento de contratos e permitem que indústrias tenham mais musculatura para ajudar no financiamento de fornecedores, ou ainda dos próprios clientes.

Além da presença em fundos de crédito, que têm demandado mais o produto em busca de rentabilidade, tesourarias de bancos e seguradoras são investidores relevantes de FDCs. Nos últimos anos, esses fundos também permitiram o crescimento das fintechs, já que se tornaram uma alternativa para essas startups captarem recursos para financiar operações de crédito, tal como empréstimos.

Com seu crescimento exponencial, o produto também se tornou um dos carros-chefes em bancos. tradicionais. Fontes, da Cerc, aponta que a estruturação de FIDCs virou uma importante frente das áreas de renda fixa dos bancos de investimento, dado o ritmo

"Esse é um produto em que se consegue pulverizar risco: sai do risco bilateral e vai para um pulverizado"

André Milani

de crescimento do produto. Hoje esses fundos representam menos de 10% da indústria de fundos, mas devem ultrapassar os 13% em menos de 24 meses, projeta.

O diretor de renda fixa do Itaú BBA, Caio Viggiano, aponta que o produto já está bem testado no mercado, inclusive tendo passado por algumas crises corporativas, nas quais não houve problemas de pagamentos aos cotistas. Outro teste foi o próprio período da pandemia de covid-19, que não abalou o produto.

O executivo do Itaú BBA aponta que os fundos de crédito têm buscado mais o produto à medida que os "spreads" de nomes com classificação de risco "triplo A” ficaram mais apertados. Ele cita que o interesse tem aumentado ainda mais pelo fato de os FDCs não terem o "come-cotas", a antecipação da cobrança do imposto de renda sobre o rendimento. Viggiano aponta que, com mais prestadores de serviços na estruturação de FIDCs, os custos têm caído, algo que ajuda a trazer empresas menores para esse tipo de financiamento.

O líder da área de "Treasury and Trade Solutions" do Citi no Brasil, André Milani, afirma que os FIDCs se tornaram uma alternativa competitiva no financiamento das companhias. "Esse é um produto em que se consegue pulverizar risco: sai do risco bilateral e vai para um pulverizado." O executivo aponta ainda que, para as empresas, essa se tornou uma forma de financiar clientes e fornecedores, por exemplo, mas sem afetar sua alavancagem, visto que não é contabilizado no balanço como dívida. Dentre os custos, por outro lado, estão as taxas de administração e os custos regulatórios, por exemplo.

Do lado dos bancos, a estrutura ajuda na eficiência de alocação de capital. No mercado vem ocorrendo, em alguns casos, a substituição do risco sacado, tradicional linha de crédito bancário que antecipa o pagamento para fornecedores, por FIDCs.

Com o crescimento do produto, mais setores passam a ver no FIDC uma alternativa de financiamento. "De dois anos para cá o instrumento se tornou muito mais pulverizado", diz Milani, do Citi. Se antes a estrutura era muito utilizada em cadeias como o agronegócio e a indústria química, hoje está muito presente em cartões, aço e mineração, farmacêutico, embalagens e óleo e gás.

Segundo Milani, um próximo momento de desenvolvimento do mercado se dará com a digitalização e "tokenização" dos ativos, o que tende a reduzir a burocracia e os custos. Segundo fontes de mercado, uma redução de custos poderia alcançar 60%.

Do outro lado, a demanda de investidores pelo produto tem crescido. A Sol Agora, fintech de financiamento de energia solar investida do fundo canadense Brookfield, já conta com três FIDCS, com R$ 2.1 bilhões captados junto a investidores institucionais. Segundo Eduardo Solamone, diretor de relações com investidores da empresa, as taxas ao cliente têm caído à medida que aumenta a procura. O que antes estava em CDI mais 2,70%, em janeiro, fica agora em CDI mais 2,30%, diz.

Na gestora Vinland, um dos fundos de crédito da casa está sendo transformado em um FIDC, uma forma de se evitar a incidência do come-cotas. Segundo o gestor Jean-Pierre Cote Gil, esse movimento da indústria vem ocorrendo desde o fim do ano passado, por conta de uma mudança na regulamentação que permitiu que FIDCS possam comprar outros FIDCs ‒ e existe, conta, uma provocação das plataformas diante da maior procura dos investidores. Cote Gil afirma que as plataformas também estão se adaptando para receber mais FIDCS nas suas prateleiras. Para ter esse benefício, o fundo precisa ter dois terços aplicados em FIDCs.

Carlos Sartori, sócio da Valora, comenta que depois da Resolução 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) surgiu também a demanda para o lançamento

"O cenário macro estimula a alocação de capital em crédito privado e o FIDC se mostra resiliente"

Fernando Fontes

de FIDCs voltados à pessoa física. Segundo ele, a Valora já lançou um fundo com esse perfil, desenhado para atender as regras para poder se direcionar ao público em geral ‒ com algumas restrições em relação aos ativos que podem estar dentro da carteira. Ele diz que esse FIDC é o que mais tem crescido em termos de captação. Segundo players do setor, ainda há uma falta de FIDCs no mercado que se encaixem nas exigências para poderem ser destinados à pessoa física, por isso ainda são poucos produtos disponíveis. A indústria, no entanto, já se movimenta para preencher essa lacuna.

Katherine Kardos, da área de crédito estruturado da gestora Tivio, afirma que a regulamentação por meio da instrução 175 cimentou o caminho para um novo salto do produto, sendo um dos pontos a possibilidade de FIDCs abertos, ou seja, aqueles que permitem o resgate, ajudando a atrair mais investidores. "Os FIDCs estão ocupando um espaço que os bancos não ocupavam”, diz. Com o desenvolvimento do mercado, outros setores devem aumentar o acesso ao financiamento por meio desses fundos tais como energia e educação.

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